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ANOS 20 – AS TRANSFORMAÇÕES NACIONAIS

Nascido no dia dois de fevereiro de 1922, Petronio Augusto Pinheiro cresceu num Brasil em transformação. Enquanto o Amazonas se desdobrava para encontrar saídas para a queda abrupta do preço da borracha no mercado internacional, o país lança mãos dos resultados fiscais obtidos com o desenvolvimento da economia cafeeirao sucedâneo do Ciclo da Borracha, responsável, fazia uma década, por 45% do Produto Interno Bruto do país. A Amazônia, atingida pela crise, por meio da luta desleal de sua borracha nativa, no confronto com o cultivo racional de seringueiras nos domínios britânicos da Malásia e pelas seqüelas da Primeira Guerra Mundial, ensaiava alternativas de sobrevivência e contemplava à distância as grandes transformações nacionais.

E se, as boas notícias não chegavam pra amenizar a ansiedade de cada dia, os relatos confiáveis, trazidos de cada embarcação, já autorizavam a certeza de que a borracha perdia valor de mercado e reduzia as esperanças de recuperação, atrofiando os horizontes de quem ali chegara para encontrar a prosperidade sonhada. As oscilações nas exportações de café, no Sul do país, por sua vez, levavam o governo a constantes desvalorizações da moeda e conseqüente aumento do custo de vida. O ano de 1922, portanto, foi um marco na contestação do regime vigente. O Brasil adentra à modernidade por caminhos tortuosos e conflitantes. A vida no seringal, onde o cearense Nilo Pinheiro ficara viúvo, e se viu obrigado a ampliar os cuidados familiares com os dois filhos, Petronio e Alfredo, após a partida precoce da companheira, começa a dar sinais de incertezas.

Um aparelho ainda precário, quase artesanal, provocou, nos anos 30, uma mudança radical nas comunicações do Brasil, mudança que evoluiu, nas duas décadas seguintes, para uma verdadeira revolução no comportamento. O rádio, cuja primeira transmissão no país fora feita em 1922, durante as comemorações do centenário da Independência, chegara para ficar. Começou como coisa de elite – para se ouvir as transmissões, era necessário se associar as rádio-sociedades ou aos rádio-clubes. A programação era de “alto nível”: leitura e comentários de poemas, música clássica, óperas, tudo de acordo com o fim instrutivo-cultural.

Nilo Pinheiro, não teve oportunidade de frequentar escolas avançadas, mas sonhava com o conhecimento e a qualificação de sua família. O rádio no seringal era uma das principais ferramentas de comunicação que as famílias do Juruá utilizavam para se manterem informadas sobre os valores de câmbio da borracha no mercado e a respeito das notícias da capital e do mundo.

Em sua tese sobre a cultura amazônica, a pesquisadora Selda Vale da Costa faz um retrato de Manaus de 1937, época quando Petronio cursava o ginásio no Colégio Dom Bosco.  Na trajetória de Petronio Pinheiro esta é a década das definições e rupturas. No Amazonas, a estagnação alcança níveis preocupantes de empobrecimento e a precariedade das condições de vida no seringal, relatada nas cartas de seo Nilo e ratificada nas viagens de férias que Petronio fazia ao seringal Conceição do Raimundo onde a rotina diária de prover os recursos básicos se tornara insustentável.

ANOS 30 – A ERA DO RÁDIO

A adversidade e falta de perspectiva do seringal ainda não permitiam acompanhar pelas revistas as inquietações de um Brasil em transformação. Os historiadores definem a década de 30 como um divisor de águas na História brasileira, pelo declínio de uma classe social constituída até então por uma elite agrária, baseada na economia cafeeira, a ascensão do segmento industrial e o crescimento da organização dos trabalhadores urbanos notadamente no Sudeste brasileiro. O período de 1930 até 1937, quando se implanta o Estado Novo na Era Vargas, foi de incertezas para a população brasileira, de instabilidade social e política e de muitos avanços, recuos, entremeados com arroubos nacionalistas de um regime autoritário implantado no País. Um país de costa para a Amazônia. Eram tempos de insegurança e terror, denunciados por muitas vozes e sob formas diversas, inclusive a poesia, no exterior e mesmo no Brasil, apesar da violenta censura. Foi, também, o início da consolidação de uma frente econômica baseada na indústria, que trazia consigo a ascensão de um novo grupo social que viria determinar, futuramente, os rumos econômicos de nosso país.

COSME FERREIRA – O MESTRE VISIONÁRIO

Se a formação salesiana reforçou e deu fundamentos de vida ao universo de valores assimilados na primeira infância adolescência no seringal, o relacionamento com o empresário Cosme Ferreira Filho marcou sua visão de mundo amazônico, de negócios e de crenças e propostas para o desenvolvimento econômico e prosperidade social do Amazonas, da região amazônica como um todo.

Cosme conheceu Petronio em seu primeiro emprego, como contínuo da Associação Comercial do Amazonas (ACA), ponto de encontro das lideranças empresariais e políticasdo Estado, onde ele atuou por mais de 50 anos. Chamou a atenção de Cosme Ferreira a desenvoltura e a firmeza daquele jovem recém-chegado das barrancas do Rio Juruá, filho de seringueiro/seringalista atingido pela débâcle da borracha, um assunto que ocupou coração e mente desse cearense que adotou o Amazonas como seu. Por isso, o chamou para trabalhar na Companhia Nacional de Borracha, uma empresa de beneficiamento, pesquisa e comercialização do látex, um laboratório experimental que ilustra a teimosia e a obstinação de Cosme Ferreira Filho, esse cearense caboclo, em restaurar a economia da goma elástica e de outros produtos da biodiversidade amazônica.

Petronio aceitou o convite de trabalhar na Companhia Nacional de Borracha, para onde levou seu irmão Alfredo, além de Jaime Sodré e Joacy Fernandes, irmãos por afinidade desde os tempos do seringal, e aí trabalhou em todos os segmentos, desde a   função de contínuo, “office-boy”, como se diz hoje, a superintendente, depois sócio do velho mestre que se tornou um dileto amigo .

ANOS 40 – AS TRANSFORMAÇÕES NACIONAIS

O Governo Vargas  na intenção de corresponder ao acerto feito através dos Acordos de Washington criou o Serviço de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia – SEMTA,  que recrutava os nordestinos em sua região promovendo sua mudança para a Amazônia, tinha como finalidade principal o alistamento compulsório, treinamento e transporte de nordestinos para a extração da borracha na Amazônia, como intuito de fornecer matéria-prima, para os aliados da II Guerra Mundial, seriam eles os Soldados da Borracha. Vargas criou também a Comissão Administrativa de Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia – CAETA, que cuidava da burocracia em relação à transferência dos Soldados da Borracha, o Banco da Borracha, hoje Banco da Amazônia S.A  que financiava a economia da borracha. Ainda tivemos o Serviço de Abastecimento do Vale Amazônico – SAVA, que se preocupou em montar toda a infraestrutura regional oferecendo as condições para a viabilização da produção e seu escoamento na região. A Amazônia, novamente ganhou importância e volta ao cenário Nacional e Internacional. Dentro dos planos Governamentais, serão criados cinco novos Territórios Federais: O Território Federal do Amapá, do Rio Branco, de Ponta Porã, do Iguaçu e finalmente o Território Federal do Guaporé, em 13 de Setembro de 1943.

Getúlio Vargas visita a Amazônia em outubro de 1940 e pronuncia seu famoso e retórico “Discurso do Rio Amazonas”, acentuando a imagem de vazio demográfico e da necessidade da colonização para o renascer da região. Desde 1877, marco das primeiras grandes levas de retirantes na direção da floresta, até o II Ciclo da Borracha, nos anos 40, durante a Segunda Guerra Mundial, estima-se que mais de 500 mil nordestinos vieram para a região, determinando a cultura, os valores e hábitos, mesclados com a herança nativa. Esse pano de fundo histórico, portanto, ajuda a entender toda a movimentação operada na Amazônia que viu chegar Petronio Augusto Pinheiro.

O encontro entre Petronio e Cosme Ferreira Filho, no final dos anos 40, nas dependências da Associação Comercial do Amazonas, foi decisivo para a contratação daquele jovem recém-chegado do seringal Conceição do Raimundo, nas barrancas do Rio Juruá, com suas estórias e paixão amazônica, no projeto do então deputado e empresário local, a Companhia Nacional da Borracha, CNB, envolvido na extração e beneficiamento de produtos naturais. Petronio e Cosme estiveram juntos, numa relação de trabalho e amizade de quase três décadas. E essa relação ganhou especial conteúdo com a deflagração da Segunda Grande Guerra (1939-1945), quando o Brasil foi obrigado a definir sua posição. Em 1942, Petronio estava com 20 anos, e residia na casa dos seus tios Alfredo Moacir e Reginana casa 1414, localizada na Rua Joaquim Nabuco, onde permaneceu até casar-se com Iclé Baraúna, em 1960, com quem foi morar na Avenida Getúlio Vargas.

ANOS 50 – OS HERÓIS DA RESISTÊNCIA

Além do mestre, patrão, sócio e amigo Cosme Ferreira, toda uma geração de pensadores e empreendedores se mobilizou e sacudiu o Amazonas a partir dos anos difíceis que a Grande Guerra provocou. A segunda débâcle da borracha, provocada com a reabertura dos mercados asiáticos, produtores de látex, e a debandada dos americanos e de seus dólares, deixou um rastro de frustração e penúria. Era preciso criar e recriar soluções e reflexões e retomar a caminhada.

Mário Expedito Neves Guerreiro Moysés Benarrós Israel, são dois heróis remanescentes desse período, dois lordes, sábios e refinados, ciosos de pertencer à condição manaó. Eles são os autênticos heróis da resistência. Com eles, Petronio teve uma convivência muito próxima, tanto na Associação Comercial, como na Companhia Nacional de Borracha, Companhia Brasileira de Plantações e na Federação das Indústrias do Estado do Amazonas   , de cuja fundação Petronio participou e foi eleito o primeiro-secretário, o papel de executor e articulador das propostas e apostas de desenvolvimento regional.

Com Mário Guerreiro e Moysés Israel consolidou-se o comprometimento e afeição pelo Amazonas, comum àquela geração. Um acervo humano, vibrante, gratificante da resistência e obstinação pelo desenvolvimento, modernização e civilização econômica e sociologia florestal. A meta era resgatar a dignidade amazônica, promover nossa gente ao patamar cidadão de melhor qualidade de vida e partilha. De um novo empreendedorismo na floresta, bem diferente dos investidores estrangeiros e dos coronéis do fausto. Suas atitudes revelavam comprovações inequívocas de que vale a pena apostar nas promessas de prosperidade e eqüidade social a partir do bioma amazônico.

É inadiável retomar a memória dos grandes empreendedores dos anos 50, em diante, após a segunda débâcle do Ciclo da Borracha, que as razões estratégicas da II Guerra Mundial quase nos fizeram emplacar. E visitar, ao lado deles, remanescentes dessa época, os esforços para viabilizar os negócios da floresta, antes do advento da Zona Franca de Manaus. Uma  luta teimosa e, de tão profícua, atual. Eles estavam lá e fizeram história e memória de quem optou batalhar na linha de frente, com a prerrogativa de quem pode apontar caminhos. Seus descendentes, alunos, colaboradores estão aí, e têm Mário Guerreiro e Moysés Israel disponíveis à todos que quiserem entender que esta História teve a participação decisiva de heróis extremamente recatados, porém obstinados, e especialistas em comprometimento e fé nas promessas da floresta.

REFINARIA NA FLORESTA

Essa economia baseada nos insumos regionais, defendida por Petronio Pinheiro e sua geração, foi a base das 40 empresas que propiciaram as condições e demanda de uma refinaria de petróleo em plena floresta,  inaugurada em 1956, com a presença do então presidente da República, Juscelino KubitschekLá estava presente, Petronio Augusto Pinheiro, prestigiando as respostas que a Amazônia dava ao país e o seu amigo Moysés Israeleste também fez parte de um grupo de amazônidas obcecados por empreender. Um grupo de apaixonados e destrambelhados, aptos a soerguer no muque, uma refinaria, em 1956, sem ajuda de guindastes, no coração da floresta. É a saga dos judeus na Amazônia, de que fala Samuel Benchimol, em seu Eretz Amazônia. Hoje, pra não perder o costume, Moysés acredita nas promessas do Centro de Biotecnologia da Amazônia, dos quais é fundador e conselheiro de primeira hora, e tem gás e energia para estimular, com sua habitual persistência, o pupilo Antônio Silva,  à frente da Federação das Indústrias, na aposta de diversificação e interiorização da economia, com o polo mineral e cloroquímico. “Temos mais petróleo e gás na Amazônia do que as perspectivas mais otimistas possam estimar”, diz com convicção e olhar brilhante de vaidade amazônica e satisfação nativa.

AS FIBRAS DOS CABOCLOS

Nos anos 50, Petronio Augusto Pinheiro participou ativamente das diversas iniciativas que buscaram soerguer a economia regional, além da borracha, cujo cultivo racional, nos moldes da Malásia, motivaram grandes iniciativas da Companhia Nacional de Borracha, da qual já era um dos colaboradores graduados. Ele esteve presente na implantação do Ciclo das Fibras, com beneficiamento da juta e da malva, na perspectiva de consórcio tecnológico com outras fibras regionais para produção industrial de sacaria e outras utilizações. Na inauguração da BrasilJuta, em 1951, quem cortou a fita foi Getúlio Vargas, prestigiando o projeto de Mário Guerreiro e Adalberto Vale, que acabara de instalar o lendário Hotel Amazonas. A BrasilJuta era uma fábrica que gerou na ocasião 3.000 postos de trabalho produzindo fibras, com direito a creche e atendimento médico e odontológico, inédito para os padrões assistenciais da época.

O PAPEL DO INPA 

O maior desafio daquela geração era voltar-se para a Amazônia, conhecer suas potencialidades e desafios e oferecer uma resposta ao Brasil e ao mundo. A valorização da Amazônia devia fundamentar-se na sua ocupação e conhecimento, daí a importância da criação do INPA. Sua sede inicial estava situada na Rua Guilherme Moreira, ao lado do escritório da Companhia Nacional de Borracha, onde Petronio atuava e testemunhava o quanto o projeto inicial do Instituto foi ambicioso e abrangente.

A precária condição da região, na época, não oferecia atrativos para a fixação de pessoal, dos poucos pesquisadores que para aqui vieram, atraídos pela criação do INPA, a maioria retornou pouco tempo depois. Djalma Batista, preocupado com a continuidade das pesquisas, manda preparar o pessoal em cursos superiores lá fora, já que não havia a Universidade do Amazonas. No ano de 1961, o problema cruciante em Manaus era a escassez de energia elétrica, restringindo as atividades do Instituto de Pesquisa.

Com a nomeação, em 1965, de Arthur Reis para Governador do Estado, o INPA passou a ter cobertura estadual. Publica uma nova série, Caderna revista Amazoniana, com o Instituto Max-Plank. Arthur convida o arquiteto Severiano Mário Porto, vizinho de prédio no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, para trabalhar em Manaus. Gilda Porto e o médico sanitarista Heitor Dourado, foram convidados para gerenciar doenças tropicais da região. Ambos vão encontrar a família Baraúna Pinheiro numa história de amor e comunhão familiar inesquecível.

Nos anos 70, apesar das medidas ditatoriais de ocupação da Amazônia, havia dificuldades de recursos e ausência de uma política própria de pesquisas especiais para a região, “faltava uma consciência de que a Amazônia precisava ser vencida”. Em 1975, finalmente estabelece convênio com a Universidade do Amazonas. Em 1980, em convênio com a Eletronorte, desenvolve o Projeto Tucuruí e inicia os estudos para a construção da Hidrelétrica de Balbina, com os protestos da comunidade política e ambientalista local. Começa aí a penetração do Instituto por outras vozes, que realizam um processo de democratização interna no órgão, e atualmente, o INPA parece ter alcançado o difícil diálogo com a comunidade universitária e científica local.

“MULATA EU QUERO SER POETA…”

São poéticas, plenas do romantismo que descreve a erudição de um espírito apaixonado, as cartas de Petronio a Iclé, antes e depois do casamento, uma poesia transformada em vida, devoção e cumplicidade por quase quarenta anos. O vínculo em forma de pacto, intencionalmente infinito, até que a morte os surpreendeu. Essa poesia do discurso amoroso já se ensaiara nos prelúdios de seus oito anos, na célebre carta à Tia Mulata, onde revela todo seu amor e desejo de aperfeiçoar sua poesia. “Mulata eu quero ser poeta e começar fazendo um versinho para você e seria assim a Mulata é uma borboleta bonita e delicada.”

Essa semeadura poética ganhou força e estímulo na convivência diária com humanismo poético de José Ribamar Bentes Siqueira e os arroubos literários em defesa da Amazônia nos versos de Cosme Ferreira. Petronio não ficaria indiferente aos reflexos na vida social de Manaus na década de 50, com o surgimento do Clube da Madrugada, criado ao amanhecer do dia 22 de novembro de 1954, na praça Heliodoro Balbi, mais conhecido como praça da Polícia. Celso Melo, Farias de Carvalho, Fernando Colyer, Francisca Ferreira Batista, Humberto Paiva, João Bosco Araújo , José Pereira Trindade, Luiz Bacellar, Moacir Andrade, Saul Benchimol, Teodoro Botinelly… foram alguns dos signatários dessa associação informal para celebrar a aurora de um novo dia, novos tempos para a cultura do Amazonas, para combater a melancolia do atraso. O apelo por reação em favor da mudança era o motor de várias iniciativas em diversos setores do tecido social.

O Clube da Madrugada incorporou a presença e a militância de outros poetas e literatos empenhados em sacudir a mesmice cultural e ao autoritarismo escolástico da Academia Amazonense de Letras, que não dava vez aos jovens. Jorge Tufic, Alencar e Silva, Carlos Gomes, Arthur Engrácio, Luiz Ruas, Erasmo Linhares, Élson Farias, Astrid Cabral, mais tarde, nos anos 60 em diante, tiveram a ajuda e a presença sistemática e solidária de Petronio Augusto Pinheiro, com o patrocínio discreto porém significativo, de concursos literários da entidade inusitada,
de acordo com o depoimento de Moacyr Andrade, nosso maior artista plástico de todos os tempos.

ANOS 60 – MILITARES NA AMAZÔNIA – “Importa mais o que nos une e menos o que nos separa”

Os militares já estavam na Amazônia desde o tempo em que Eduardo Ribeiro, um capitão qualificado do Exército, governou o Amazonas, no fim do Século XIX, com o apoio de seus colegas de Escola Militar da Praia Vermelha, Marechal Deodoro da Fonseca Floriano Peixoto, e deram especial atenção para a Amazônia, defendendo em comum acordo, que era preciso ocupá-la, proteger suas fronteiras da cobiça internacional, integrar seu território no contexto da brasilidade. Por isso foi tão importante preparar a região para o futuro, qualificar nossos quadros e mobilizar a inteligência nacional no conhecimento e aproveitamento da floresta. Essa foi a grande pauta de identificação de Petronio com os militares, com quem sempre teve uma aproximação de amizade e propósitos. O coronel Alípio de Carvalho, um dos nomes fortes do regime no Amazonas, além de quase parente e confidente, era companheiro dos saraus inesquecíveis que agitavam as reuniões da Casa da Rua Paraíba.

A amizade de Guilherme Fregapanni e Iclé Pinheiro,  esposa de Petronio, iniciada com um projeto de promoção humana e educação/qualificação dos jovens, por meio de parceria entre exército e a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor –   FUNABEM, órgão no qual Iclé Baraúna teve destacada atuação, também mostra a importância dada pelo governo ao trabalho das Forças Armadas na fronteira. Isso apenas fortalecia o apreço de Petronio com relação aos militares, cuja empolgação influenciou as ações e opções de trabalho de alguns amigos e parentes que atuavam na região para defender a terra pela qual ele nutria verdadeira paixão.

Em 31 de março de 1964, no entanto, os generais foram à forra, derrotados por seguidos confrontos desde Getúlio, JK, Jango e Jânio e decretaram a Ditadura Militar. Petronio, porém, não se envolveu com os métodos e condutas políticas deste regime,  e sempre defendeu a liberdade de pensar, associar e empreender como requisito da Democracia.

DIREITA OU ESQUERDA?

Não cabia essa divisão maniqueísta na cabeça libertária daquele filho de seringueiro acostumado à liberdade de precisar escolher para sobreviver no desafio cotidiano da superação. Enquanto discutia, com desenvoltura e propriedade, o futuro da Amazônia com Ribamar Siqueira, Guilherme Fregapanni e Roberto Gama e Silva, três funcionários qualificados do Conselho de Segurança Nacional onde estava alocado o temido SNI, Serviço Nacional de Informação, acolhia em sua casa as lideranças estudantis da Universidade Federal,  onde atuava suas filhas e os adotivos de esquerda, dispostos a fazer a contra-revolução. De quebra, Petronio e Iclé haviam  adotado um padre esquerdista, Cesare de La Rocca, um italiano revolucionário, com quem partilhavam oração e ação social em favor dos mais humildes.

“A coisa que mais me impressionou de Petronio e continua me impressionando hoje, é que todo mundo fala de modernização do empresariado, da contemporaneidade da figura do novo empresário brasileiro, naquela época ele já tinha este perfil, ninguém falava de cidadania empresarial, mas o Petronio exerceu uma contemporânea e revolucionária cidadania empresarial. Eu vi ele fundando empresas, e essas empresas repousavam sobre um pilar irrenunciável da parte dele, que era a atenção humanitária pelo trabalhador, não se falava tanto sobre direito trabalhista quanto de necessidade dos trabalhadores, e ele ia ao encontro dos trabalhadores das empresas que ele comandava de uma maneira absolutamente moderna e não assistencialista, exigia e dava em contrapartida”, afirmou La Rocca ao Memorial.

Essa postura democrática e libertária, de conviver com a pluralidade e a adversidade, refletiu na personalidade dos próprios filhos e suas opções pessoais. Petronio Filho se alistou na vida militar e formou-se no Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva (NPOR), enquanto suas irmãs, Márcia   e Rosana, que foram presidentes do Diretório Central dos Estudantes na Universidade, enveredaram pelos movimentos de crítica e militaram no movimento estudantil nos anos 70.

“Mas como? Elas são filhas do dono da Coca-Cola, e sobem em cima de carro, e fazem panfletagem, e brigam pelos direitos dos outros? E são filhas do dono da Coca-Cola, o maior símbolo do capitalismo?” Os colegas de Márcia e Rosana, que conviveram na “academia” da Rua Paraíba, tiveram a oportunidade de entender a dinâmica da pluralidade, da acolhida, da adversidade em nome da comunhão maior que a fraternidade impõe. Educar é respeitar, é apontar caminhos e metas de vida e dar o testemunho do compromisso e da aceitação. “Importa mais o que nos une e menos o que nos separa”. Era a frase do Papa João XXIII, que influenciou fortemente os cristãos após o Concílio Vaticano II, a partir de 1965. Mais tarde, Márcia e Rosana atendem ao chamado espiritual e adotam o Movimento Focolari, como resposta aos desafios da existência.

Daí a visão de Petroniocom o desenvolvimento da Amazônia, dos ribeirinhos, em ajudar as pessoas, sua preocupação com sua gente, manter as mãos abertas e os braços do acolhimento estendidos. O que permite entender o comportamento e a escolha de seus filhos,  em quem ficou marcada sua essência, valores e visão de mundo.

ANOS 70 – A ZONA FRANCA DE MANAUS E O CAPITALISMO NO BRASIL

Num texto embasado e elucidativo para a compreensão das origens, função e contribuição do modelo Zona Franca de Manaus, os pesquisadores José Seráfico e Marcelo Seráfico retratam as transformações e expectativas de integração à nação e as ameaças, virtuais ou concretas, de internacionalização, para descrever a história recente da Amazônia. A dissertação conjunta sobre a A Zona Franca de Manaus e o capitalismo no Brasil, publicada pelo Instituto de Estudos Amazônicos da Universidade de São Paulo, reafirma que a própria Zona Franca é um emblema dessas expectativas e ameaças. Considerando-se suas origens e história, o modelo é um verdadeiro exercício de economia política dos governos brasileiros inserido no processo de transformação de um modelo de desenvolvimento de capitalismo nacional em outro de capitalismo associado.

É importante compreender no cotidiano dos negócios da Amazônia como se deu esse processo de transformação, suas contribuições, limites e necessidade de constante revisão. No discurso proferido na FIEAM, na década seguinte, quando recebeu o título de O Industrial do Ano, Petronio exaltou o modelo Zona Franca, mas apontou a necessidade de sua diversificação e interiorização, destacando as teses do velho mestre Cosme Ferreira. A criação da Zona Franca de Manaus foi justificada pelo Regime Militar com quem o empresário teve muita proximidade na discussão da questão amazônica. c O coronel Guilherme Fregapanni e o Almirante Gama e Silva  foram parceiros de debates, estudos e convivência familiar. Com eles, os debates começavam pela necessidade de se ocupar uma região despovoada.

Era necessário, portanto, dotar a região de “condições de meios de vida” e infra-estrutura que atraíssem para ela a força de trabalho e o capital, nacional e estrangeiro, vistos como imprescindíveis para a dinamização das forças produtivas locais, objetivando instaurar na região condições de “rentabilidade econômica global”. De fato, sua criação e desenvolvimento sempre estiveram atrelados a circunstâncias político-econômicas locais, nacionais e mundiais.

Mundialmente, a Guerra Fria forçava a opção nacional entre conservar-se na área de influência norte-americana ou encaminhar-se para a soviética; além disso, avançava o processo de descentralização industrial2, impulsionado pelas inovações nas comunicações e transportes, pela indústria eletrônica e pela organização dos trabalhadores nos países industrializados. Nacionalmente, a resolução das tensões relativas ao aprofundamento da democracia burguesa e, no limite, ao socialismo, deu-se nos termos do Movimento Militar de 1964 e da implantação da Regime de Exceção, que conduziu a política econômica nacional de modo a privilegiar o capital estrangeiro no processo de apropriação e uso das forças produtivas do país. Localmente, mantinha-se a estagnação econômica legada pelo fim do “ciclo da borracha” e apenas brevemente superada pelos Acordos de Washington, de 1942.

A década de 70 celebra a união duradoura e profícua de Petronio Pinheiro e Antônio Simões, que incluirá mais tarde, a figura angular de Osmar Pacífico. Surge o Grupo Simões, a Coca-Cola se implante e se espalha por toda a Amazônia. É nesse contexto de uma história de sucesso e cumplicidade empresarial que eclodiu a Operação Amazônia, de que a Zona Franca de Manaus é um capítulo. Talvez se possa vê-la como uma espécie de síntese desse quadro global, na medida em que é ela que resolve, no plano nacional, o modo por meio do qual ocorreria a regionalização do desenvolvimento do capitalismo, entendido como início da modernidade e profissionalização dos negócios. A Operação Amazônia compatibiliza o discurso nacionalista do militarismo com as reivindicações acerca do desenvolvimento regional da Amazônia e com o processo de transnacionalização do capital.

Vale a pena retomar um pouco dessa história para compreender como, no jogo entre expectativas de integração à nação e impasses gerados pela internacionalização, a Zona Franca vem, progressivamente, se convertendo num espaço de relações globais. Nesse contexto, a Coca-Cola e o Grupo Simões ganham emblema e representatividade.
Desde o fim dos Acordos de Washington, a economia da Amazônia, de um modo geral, e do Amazonas, em específico, via-se órfã de políticas do governo federal que permitissem a reprodução local do desenvolvimento experimentado pelo Centro-Sul do país. Aqui, a obra e o discurso do Mestre Cosme Ferreira servem como guia de compreensão deste momento vivido pela Amazônia de Petronio Pinheiro. Os estragos causados pela substituição da “borracha natural” pela “borracha sintética” não foi compensado pelo aumento dos subsídios à extração da borracha num momento em que as atenções do governo federal estão tomadas pelas possibilidades de substituir importações, tendo em vista aprofundar a industrialização do país.

Demorou quase dezesseis anos entre a apresentação do Projeto de Lei nº 1.310 e a assinatura do Decreto-Lei nº 288, que criou e detalhou a Zona Franca de Manaus. A demora foi acompanhada pela sistemática frustração das expectativas de setores da sociedade local quanto a medidas federais que permitissem a redinamização econômica do estado. Mesmo assim, os empreendedores locais não ficaram de braços cruzados. Na Associação Comercial do Amazonas e na Federação das Indústrias do Estado do Amazonas, sobravam discussões e articulações para tirar o modelo do papel. Foi assim que, do ponto de vista de alguns segmentos da sociedade local, a sensação de abandono, esquecimento e incompreensão predominante cedeu, a partir da Operação Amazônia, à de esperança e alento.O que aparentemente é um problema – a cooperação entre o militarismo, a economia mundial e o nacionalismo – faz parte de um momento definido da ordem internacional. O que importa é reforçar que a concepção e a decisão de implantação da Zona Franca de Manaus são oriundas de processos e relações mais amplas que efetivam um movimento de descentralização da produção capitalista fora das suas zonas originárias.

No caso específico de Manaus, a estagnação econômica tanto contribuía para rebaixar o valor da força de trabalho quanto para aumentar a concorrência entre os trabalhadores por emprego, o que implicava dificuldades para sua organização política. Num tal contexto, o Regime Militar criou algumas das condições que permitissem ampliar as oportunidades de investimento capitalista e controlar a força de trabalho num processo em que esta se integrava em situação bastante frágil.

Com o privilégio do olhar retrospectivo, pode-se dizer que a Operação Amazônia e a Zona Franca de Manaus foram poderosos mecanismos de ajustamento das relações de produção na região às possibilidades de expansão do capitalismo monopolista no Brasil; ou, sob outro ângulo, foram formas de criar no país novas oportunidades de investimento e lucratividade para a “livre empresa”, nacional e estrangeira; ou ainda, foram uma estratégia e uma tática de dinamização das forças produtivas regionais que consistiu – faça-se uma concessão ao neoliberalismo tupiniquim – na ‘redução do custo Amazônia’.
É nesse quadro que se recoloca a “questão regional”, isto é, o problema de como as regiões brasileiras encontram ou vêem inviabilizadas suas possibilidades de participação – social, cultural, política e econômica – no processo de formação da nação; é nesse quadro, portanto, que cabe avaliar o passado, apontar os impasses do presente e descortinar alternativas de futuro. Trata-se, quanto a isso, de desafio semelhante ao enfrentado por Arthur Reis e Leandro Tocantins, mas que pode se beneficiar de suas experiências para evitar ilusões e ampliar os horizontes de emancipação de grupos e classes sociais historicamente excluídos dos processos decisórios e da participação na apropriação das riquezas nacionais.

ANOS 80 – EIXOS DE TRANSFORMAÇÃO

O processo de desenvolvimento da Amazônia brasileira ocorrente em pleno florescer do século XXI nada mais é do que a consolidação das estratégias de desenvolvimento concebidas para a região no último quartel do século XX.

Nos anos 80, enquanto os projetos de agronegócios, pecuária e mineração ganharam fôlego e muito incentivo, com recursos proprios ou tomados nas instituições financeiras privadas, segundo relatos de Geraldo Braz, do BANORTE, são fundadas ainda as fábricas franqueadas de Coca-Cola em Rondônia, no Acre, no Amapá, e mais duas no Pará, nas cidades de Santarém e Marabá, e o Grupo Simões é reconhecido pela Coca-Cola do Brasil, como sendo “fabricante da década”, em função da coragem e emprendedorismo de acreditar na região.

Passados mais de 30 anos do início do processo desenvolvimentista da região, tendo-se, até por força do momento histórico, ultrapassado de um século para outro, o que se verifica é que os três grandes eixos dinâmicos concebidos como estratégia de desenvolvimento da Amazônia foram, ao longo desse tempo, fortalecendo-se e impondo uma dinâmica que reorganizou a estrutura produtiva regional e restabeleceu os fluxos de comercialização com o mercado extrarregional e internacional, sobretudo, o que resultou que a Amazônia, como queria Getúlio Vargas, deixasse de ser um imenso vazio demográfico e uma região isolada economicamente para se transformar em um subespaço global economicamente integrado.
Além dos empreendimentos capitaneados pelo Grupo Simões, Petronio enveredou pela criação de búfalos, uma espécie vinda da África, aclimatada com muito sucesso na Amazônia. Depois de experimentar a nova pecuária nos arredores de Manaus, na Fazenda Manacá, Petronio implantou a Fazenda Carabao, em homenagem à raça bubalina que tanto o encantou. Depois de seu falecimento, em 2006, seus familiares, liderados por Iclé Baraúna Pinheiro, foram reconhecidos pelo prêmio de Pecuarista do Ano, pela Federação da Agricultura do Estado do Amazonas.

Todavia, como esse processo desenvolvimentista se efetivou nos moldes como havia sido teoricamente concebido, determinou-se que setorialmente fossem priorizados aqueles empreendimentos que, além de serem intensivos em capital e poupadores de mão de obra, têm sua dinamicidade determinada pelo mercado externo. E como o fator locacional tem sido marcado por elementos vinculados às áreas de localização da matéria-prima ou induzidos por políticas específicas de desenvolvimento, acabou-se por concretizar que o dinamismo econômico atualmente observado na região esteja justamente ocorrendo naqueles subespaços econômicos previstos antes mesmo da efetivação desse processo no século passado.
Em muitos depoimentos de seus colaboradores, fica evidenciada a preocupação de Petronio Pinheiro com o fator humano, sua insistência em que todos tivessem oportunidade de estudos e promoção pessoal como premiação dos esforços. Homem do Juruá,  conhecedor profundo das desigualdades entre a capital e o interior, Petronio não perdia a oportunidade de estimular que as pessoas estudassem. Por isso, fez questão que seus filhos buscassem centros mais avançados de estudo para aperfeiçoar a própria qualificação.

Petronio percebia que o desenvolvimento ocorrente na Amazônia era economicamente desigual, setorialmente heterogêneo e socialmente excludente. Isso emerge de sua conduta e escolhas ao longo de sua trajetória. Os economistas explicam essa paisagem por conta da acumulação de investimentos exclusivamente na capital, no caso do Amazonas, concentrando as atividades econômicas e a receita pública.

Talvez por isso, essas atividades produtivas que dão suporte aos eixos dinâmicos do desenvolvimento regional resultam que o Amazonas, o Pará e o Mato Grosso se destaquem no contexto regional, em detrimento das demais unidades federativas, e que a economia desses Estados se destaque em determinados subespaços econômicos com elevada capacidade de interação e dinamização econômica, o mesmo não ocorrendo com os demais subespaços, impondo consequentemente uma desigualdade intrarregional tanto em nível macro quanto em nível microrregional, ou seja, entre os Estados, entre os municípios no âmbito de cada Estado, e entre os municípios no contexto da região.
A conjugação desses fatores permite que se afirme que hoje, diferentemente do passado distante, existe não apenas uma, mas ‘várias Amazônias’ dentro da Amazônia brasileira, com perfis e estruturas econômicas distintas e heterogêneas.

Em 1984, a convite da presidência da Republica, à época nas mãos de João Batista Figueiredo, Petronio Pinheiro e seu inseparável amigo José Ribamar Bentes Siqueira, de acordo com o relato do Almirante Roberto Gama e Silva, foram chamados a Brasília para apreciar novas linhas de ocupação, desenvolvimento e meio ambiente, para a Política de desenvolvimento e Meio ambiente da Amazônia. Aí ficaram por quase 30 dias participando de debates para a elaboração do documento.

Entre as preocupações daquele momento, e que permanecem, estava o dinamismo econômico ocorrente na Amazônia, expresso pelo principal indicador macroeconômico, que é o PIB, não se reflete na mesma dimensão em termos espaciais quando se tenta verificar a possibilidade (ainda que não real) de sua distribuição em relação à população, no caso expresso pelo PIB per capita. Possuir o PIB mais elevado na região não é sinônimo de ter o PIB per capita mais elevado, mas sim justamente o contrário. Se for levado em conta que o PIB per capita não é metodologicamente adequado para se inferir a renda per capita, então fica ainda mais evidente o quanto o desenvolvimento ocorrente na região é desigual e excludente.
Nesse contexto, novamente é importante retomar o discurso da FIEAM , para entender a sintonia e a percepção de Petronio, escolhido O Industrial do ano de 1984, com as contradições econômicas e sociais de seu tempo. Ao mencionar as pressões contra o modelo, ele insiste na urgência de sua interiorização, do aproveitamento dos recursos naturais da região e a respectiva agregação de valor com inovação tecnológica.

Enfim, a percepção desta década é a tendência de prevalecer esse quadro de distorções ao longo dos anos, e que, de alguma forma se estende aos nossos dias, já que a Amazônia ainda se constitui em uma “usina de dólares” necessária para a manutenção do desenvolvimento da economia brasileira, e também porque não existe, à primeira vista, uma estratégia de desenvolvimento diferenciada para a região. O papel da Amazônia no mercado global ainda continua sendo o de fornecedora de matérias-primas e produtos alimentares para o mundo.

ANOS 90 – PRESERVAR OU CONSERVAR?

Mesmo com a experiência de consultor ambiental do governo brasileiro, na década de 80, Petronio jamais se encantou com essa onda xiita dos ambientalistas que queriam manter a Amazônia intocada. Em seu depoimento, o Almirante Roberto Gama e Silva conferiu a Petronio o papel de professor de assuntos amazônicos. De uma Amazônia, porém, que precisa ser explorada com equilíbrio e inteligência em favor de sua gente. Essa Amazônia abriga 20% de toda a água doce do planeta, ocupa 5% da área do globo terrestre, guarda 30% das florestas tropicais ainda vivas, mas é habitada por apenas 3,5 milésimos da população mundial. A grandiosidade da região é inversamente proporcional à sua fragilidade e vulnerabilidade perante a antiga ameaça da mão do homem. Mas a velha ideia de preservar a floresta intocada já está ultrapassada. O futuro é explorar o que ela pode oferecer enquanto está viva, em pé. Chegou a Era do Manejo, recomendado pela Conferência da ONU, no Rio de Janeiro, a RIO-92.

Conferência da Terra

 A FIEAM de Petronio Pinheiro, Moysés Israel, Antônio Simões, Mário Guerreiro, em conjunto com o governo do Estado, na gestão Gilberto Mestrinho, participou intensamente das ações preparatórias da Conferência da ONU, a Rio-92, em Manaus, para onde acorreram grandes lideranças mundiais. O Príncipe Charles, o premier alemão Helmut Kohl, entre tantas personalidades, vieram conferir se aqui estavam realmente acontecendo as queimadas que poderiam mudar o clima da terra com um aquecimento catastrófico. O grande dilema era preservar ou conservar a região.

De acordo com a geógrafa Berta Becker, essa é uma diferença conceitual, mas bastante importante. Preservação é diferente de conservação. Preservar é não tocar, é deixar como está. Conservação é utilizar sem destruir. O bom senso aponta para a conservação, o manejo inteligente, com inclusão do uso não destrutivo do patrimônio natural de modo a gerar trabalho e renda sem deteriorá-lo. São muitos os obstáculos, especialmente a questão fundiária, que no Brasil é estrutural e está ligada ao poder. As elites, historicamente, querem ter terras, e não estamos falando só do momento presente. Querem terras não somente para a produção organizada, mas porque significa poder, status, reserva de valor para o futuro. No Brasil e em boa parte da América Latina, o crescimento da produção agrícola foi baseado na expansão da fronteira, ou seja, o crescimento sempre foi feito a partir da exploração contínua de terras e recursos naturais, que eram percebidos como infinitos. O problema continua até hoje. E a questão fundiária está intimamente ligada a esse processo, em que a terra dá status e poder, com o decorrente avanço da fronteira da produção agrícola, que rumou para a Amazônia nos últimos anos.

Modernização Agrícola

A modernização da agricultura propiciou, por um lado, maior produtividade nas lavouras, mas fez aumentar a velocidade na incorporação de novas áreas, apoiada também pelas tecnologias da informação. É a chamada cronopolítica, que começa a superar até a geopolítica. A iniciativa privada sabe muito bem se mover nessa nova velocidade, enquanto o Estado ainda se mexe no mesmo tempo pretérito. Portanto, acaba sendo criado na Amazônia todo um sistema logístico, de armazéns, cidades, redes de comunicação, que permite uma rapidez muito maior da expansão da fronteira. Isso é muito nítido por lá, basta chegar em qualquer cidade para perceber, pois são os empresários que dominam tudo, que instalam e comandam essa logística, e o Estado está sempre atrás.

Conservar é atribuir valor

Frequentador assíduo das redondezas florestais e ribeirinhas de Manaus, Petronio Pinheiro e Ribamar Siqueira haviam desenhado um projeto de aproveitamento da argila regional, convencidos de que era preciso enfrentar o desafio amazônico com a recomendação de Dom Bosco, Omnia vincit labor, dando à floresta e seus insumos uma destinação comercial e industrial inteligente. Essa é a história da Cerâmica Taquara, que foi implantada nas cercanias do Encontro das Águas nos anos 90. A floresta amazônica só vai ser conservada quando lhe for atribuído um valor tal que a torne competitiva, com o valor que ela pode ser capaz de gerar enquanto está em pé. Seus produtos precisam assumir preços de commodities. A ideia de vender créditos de carbono, muito em moda nos discursos políticos, não leva dinheiro para a mão da população, que quer se desenvolver, crescer. É necessário dar preferência ao aproveitamento das riquezas da floresta, pois já existem mercados a serem explorados e muitos outros a serem abertos. Há vários exemplos de campos comerciais que estão prontos para serem aproveitados. O ramo biomédico, por exemplo, embora seja difícil concorrer com os grandes laboratórios mundiais. O da nutracêutica, que é gigantesco, e para quem não sabe diz respeito aos alimentos naturais que geram bem-estar e saúde. E a dermocosmética, que algumas empresas brasileiras estão começando a explorar muito bem, inclusive internacionalmente. A alta tecnologia precisa entrar na Amazônia para permitir a descoberta de novos produtos e mercados.

Desenvolvimento com inteligência

Com seu mestre Cosme Ferreira,  com seu irmão Alfredo Jacaúna, com Ribamar Siqueira,  sua família e sócios do Grupo Simões, Petronio tem uma larga experiência no aproveitamento dos negócios com os produtos naturais da região. Borracha, guaraná, castanha, pescado, pecuária… Petronio mostrou que a região amazônica, primeiramente, não pode ser encarada como algo único. É um caldeirão de diferenças sociais, é grande e diversa. Mas uma coisa é comum: o nível de aspirações se elevou enormemente para todos os atores sociais daquela região, desde empresários, agricultores e governos, até ribeirinhos, índios e pequenos produtores agrícolas. Todo mundo quer se desenvolver, é um caminho sem volta. Acabou a fase de ocupação pura e simples. É urgente a concepção de uma política de consolidação do desenvolvimento. As pessoas estão preparadas e muitas até mobilizadas, em diferentes níveis, trabalhando em conjunto para melhorar aqui e ali. O movimento ambientalista foi muito importante nos anos 90, fundamental quando mobiliza pessoas conscientes e comprometidas com o tecido social integralmente. Ele foi o responsável por barrar o avanço da fronteira agrícola e a depredação madeireira da região amazônica no final do Século XX. Certamente atingiu os objetivos a que se propunha. Hoje, 30% do território amazônico está protegido, o equivalente à área da Espanha. Mas o mundo mudou e a Amazônia também, assim como os atores envolvidos.